quarta-feira, 7 de maio de 2014

A Reflexologia Soviética - Séchenov, Pavlov e Bekhterev



A Rússia foi um país pioneiro no campo de estudos da reflexologia, exercendo um importante papel no desenvolvimento científico de meados do século XIX até a década de 1940. Foi um período marcado pela extrema efervescência política do então Estado czarista russo, que culminou com a implantação do Estado socialista em 1917.
Dentre os numerosos pesquisadores empenhados na fisiologia dos reflexos, pode-se destacar a influência de pelo menos três na história da psicologia moderna: Ivan Michajlovic Séchenov (1829-1905), considerado o iniciador da fisiologia russa; Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936), fisiologista que criou o conceito de reflexo condicionado; e o psiquiatra e fisiologista Vladimir Michailovitch Bekhterev (1857-1927), responsável pela aplicação do conceito de reflexo condicionado ao estudo de reflexos motores.

Ivan Michajlovic Séchenov e a fisiologia russa moderna
Séchenov foi um importante agente do estudo dos reflexos condi­cionados e na recusa das explicações mentalistas. Em sua tese intitulada Dados para a futura fisiologia da intoxicação alcoólica, há o embrião da proposta de uma fisiologia ocupada com o organismo em interação com as forças ambientais que atuam sobre ele (Pessoti, 1976).
Por volta de 1862, Séchenov estudava no laboratório de Claude Bernard em Paris.
Ocupava-se naquele momento dos centros nervosos inibidores dos movimentos reflexos em rãs. Nutriu-se das ideias de Charles Darwin e do associacionismo de John Locke. Nesse contexto, teve origem sua obra de maior importância chamada Os reflexos do cérebro. Uma das principais ideias defendidas e estudadas por Séchenov era que a vida psíquica não era independente do corpo, mas somente uma função do sistema nervoso central, principalmente do cérebro. Séchenov via no reflexo uma unidade mínima de comportamento, válida ao mesmo tempo como unidade de análise ex­perimental e como instrumento metodológico para explicar unidades de comportamento mais sofisticadas. Os processos psíquicos seriam, desta forma, componentes de um complexo arco-reflexo . Esta foi uma das primeiras tentativas cientificamente articuladas de abordagem da vida psicológica como uma função estritamente fisiológica em termos de reflexo.

O uso do arco-reflexo como unidade de análise e a ênfase antime- tafísica evidenciam a importância atribuída por Séchenov à estimulação sensorial para a explicação dos processos psicológicos. Para ele, o avanço da fisiologia nervosa poderia viabilizar uma explicação consistente para o comportamento global, utilizando somente a terminologia da fisiologia dos reflexos. Séchenov lançou as ideias que mais tarde influenciaram teórica e metodologicamente outros importantes pesquisadores da reflexologia.

Ivan Petrovich Pavlov e a proposição do reflexo condicionado
Ivan Pavlov nasceu em Ryazan, na Rússia. Filho de um sacerdote, foi educado até os 11 anos de idade pelo pai, seguindo para um seminário onde estudou teo­logia. Aos 21 anos preferiu explorar novas possibilidades. Influenciado pelas ideias de Charles Darwin, a fama crescente de Dimitri Ivanovitch Pisarev e a obra de Séchenov, mudou-se para São Petersburgo com o objetivo de frequentar a universidade.
Optou por estudar medicina, especializando-se em fisiologia animal. Antes mesmo de de graduar em 1875, foi premiado, juntamente com um colega, Afanasyev, pelo excelente trabalho desenvolvido sobre a inervação pancreática. Após sua graduação, continuou seus estudos para obter o direito de candidatar-se a uma cátedra em fisiologia. Seguiu com dificuldades financeiras até 1890, momento em que foi nomeado chefe do departamen­to de fisiologia do Instituto Imperial de Medicina Experimental de São Petersburgo (Klimenko e Golikov, 2003: 113). Nesse mesmo ano, Pavlov foi nomeado professor de farmacologia na Academia Militar de Medicina, dedicando mais de 40 anos de estudo à fisiologia e ao desenvolvimento do Instituto de Medicina Experimental. Em um primeiro momento, Pavlov focalizou esforços no estudo da atividade do sistema nervoso sobre o músculo cardíaco. Em seguida passou ao estudo do sistema endócrino, campo que lhe rendeu a publicação, em 1897, de O trabalho das glândulas digestivas, que toi agraciado com o Prêmio Nobel de Fisiologia em 1904.
Sempre preocupado ao extremo em padronizar as condições experi­mentais de suas pesquisas, Pavlov tentava usar controles rigorosos e eliminar, ao máximo, as possíveis fontes de erros. A trajetória percorrida por Pavlov até o pleno reconhecimento da comunidade científica passou pelo uso de uma técnica sotisticada para a época: o chamado “método crônico”.
Este consistia na utilização de fístulas na pele e órgãos internos de cobaias para que o pesquisador pudesse observar diretamente os processos digestivos em atuaçao invivo. Até então, os estudos em fisiologia digestiva eram realizados em animais sacrificados nas diferentes etapas do processo de digestão. Esta técnica possibilitou à fisiologia o estudo de novos processos mais complexos, superando assim os limites da fisiologia da digestão da época.
A partir das investigações acerca das glândulas digestivas, por volta de 1900, Pavlov constatava as diferenças na composição salivar de cães. Estava convencido que isso decorria do tipo de estimulação efetuada na atividade bucal (no caso, as estimulações mecânica, térmica e química dos receptores sensoriais) e tinha à mão uma explicação tipicamente biológica para o fenômeno. Contudo, observava que os sujeitos, às vezes, salivavam em circunstâncias que não poderiam ser descritas nos termos da teoria do arco-reflexo. 
Os cães salivavam antes de entrarem em contato direto com o alimento (ou seja, a presença do alimento na boca). Para tal bastava que os sujeitos vissem, ouvissem, cheirassem quaisquer elementos do ambiente experimental que se relacionassem de alguma forma com o alimento. Esse não era um processo de estimulação fisiológica típico, ou seja, um processo no qual haveria um contato direto entre as propriedades físicas dos elementos e os órgãos receptores sensoriais. Assim, as secreções observadas por Pavlov derivavam de alguma forma de estimulação não fisiológica. Eram conhecidas como secreções psíquicas. Nas palavras de Pavlov:
Nos experimentos psicológicos, são as propriedades dos objetos exte­riores, sem importância para a função das glândulas salivares e, inclusive completamente ocasionais, as que excitam o animal. As propriedades luminosas, acústicas e, inclusive, as puramente olfativas dos objetos considerados não exercem, por si mesmas, quando pertencem a outros objetos, nenhum a influência sobre as glândulas salivares; estas, por sua vez, não mantêm nenhuma relação funcional com essas propriedades (Pavlov, 1984 [1903]: 19).
Complementando, Pavlov se mostra ainda mais intrigado com o seu achado:
Nos experimentos psicológicos não são somente as propriedades dos objetos sem importância para a função das glândulas que fazem o papel de excitantes, mas também (...) tudo que se relaciona com eles de uma ou de outra forma: a vasilha que os contém, os móveis onde estão colocados, os recintos, as pessoas que os conduzem, os ruídos produzidos por estas pessoas (...). Desta maneira (...) a relação com os objetos que provocam a excitação das glândulas salivares se faz mais longínqua e tênue. Não resta
dúvida de que estamos diante de uma adaptação mais adiantada (Pavlov, 1984 [1903]: 19-20).
O termo reflexo psíquico foi utilizado por Pavlov para descrever o fenômeno num primeiro momento, chegando ele inclusive a conjecturar acerca das vontades, julgamentos e desejos dos animais utilizados em seus experimentos. Este tipo de abordagem foi logo abandonado em favor de uma alternativa supostamente mais objetiva, que logo veio a constituir a mais famosa contribuição de Pavlov à psicologia, o chamado reflexo condicionado.
Pavlov delineou a seguinte metodologia em seus estudos sobre os reflexos: colocava-se o sujeito experimental (em geral, cães) sobre uma mesa, preso por correias, dentro de uma sala com isolamento acústico e isenta de estimulação visual externa. Através de uma fístula feita na parte inferior do focinho do animal, introduzia-se um encanamento emborrachado que era ligado às glândulas salivares. Esse encanamento continha uma escala graduada onde era possível aferir com precisão a quantidade de saliva secretada. Atra­vés da cânula, toda a saliva era depositada num pequeno recipiente apoiado sobre uma mola sensível. A saliva que caía no recipiente movimentava uma agulha ligada à mola, que registrava o gotejamento num quimógrafo.
Os experimentos iniciais consistiam na apresentação ao cão de um pedaço de pão que logo em seguida era dado ao animal para que o comesse. Com a repetição do procedimento, bastava a visão do alimento para que o cão salivasse. O reflexo salivar eliciado pelo alimento colocado na boca do animal foi de­nominado reflexo incondicionado, visto que não demandava nenhum a aprendizagem. Era, portanto, inato. Já a secreção salivar obtida com a visão do alimento só foi obtida após algumas tentativas.
Logo, o processo demandou uma aprendizagem ou condicionamento, fato que levou Pavlov a denominá-lo reflexo condicionado.
Pavlov descobriu que qualquer estímulo não aversivo poderia provocar respostas reflexas em seus sujeitos, desde que condicionadas corretamente. Por exemplo: um som (até então um estímulo neutro) é apresentado ao sujeito. Poucos instantes depois (digamos, 5 segundos), é apresentado o alimento (estímulo incondicionado). E óbvio que o sujeito salivará apenas diante do estímulo incondicionado num momento inicial. Repetindo-se os emparelhamentos entre o estímulo neutro e o estímulo incondicionado, o estímulo neutro será capaz de eliciar a salivação. Quando isto ocorre, o estímulo neutro se torna um estímulo condicionado, passando então a produzir respostas condicionadas. O desafio, a partir daí, passou a ser a determinação e a identificação dos limites dentro dos quais operava o condicionamento, tais como a inten­sidade e outras propriedades dos estímulos, as relações temporais entre o estímulo original e o novo que adquiria condicionalmente o poder de eliciar a resposta etc. Dessa forma, o que anteriormente era conhecido como vida psíquica passou a ser então considerado um imenso comple­xo de reflexos condicionados, ou seja, de respostas dadas a estímulos condicionados a outros, originais.
Pavlov foi fortemente criticado por conceber uma visão de homem ofensiva para a época vigente; foi oficialmente hostilizado por propor um programa de pesquisas que visava à explicação natural e fisiológica de pro­cessos psíquicos. Fica claro que os estudos de Pavlov não recebiam apoio governamental. Ele próprio, em sua autobiografia, retrata a maneira hostil com a qual os diretores dos institutos o tratavam, assim como a contrariedade aos seus projetos. Com a revolução de 1917, a situação melhorou bastante. A Revolução Russa levou Lênin ao poder, que via com bons olhos as ati­vidades científicas do fisiólogo. O governo socialista financiou a construção da chamada “Cidade da Ciência”, onde Pavlov aprofundou suas observações e experimentos. Mais de 200 colaboradores trabalharam com ele. Segundo Schultz (1975), seu programa de pesquisas estendeu- -se por um período mais longo de tempo e envolveu maior número de pessoas do que qualquer outro esforço de pesquisa desde Wundt.
Outro tema importante estudado por Pavlov foi a distinção, na ati­vidade do sistema nervoso, de dois fenômenos centrais: o da excitação e o da inibição. Por excitação, entendia o processo ativo que fundamenta a produção das respostas apresentadas por um organismo. Já a inibição foi de­finida como um processo ativo exercendo um efeito oposto ao da excitação e, consequentemente, impedindo uma resposta ou diminuindo sua força. Pavlov aplicou a conceituação desses fenômenos à compreensão de temas psicopatológicos, dentre outros.
A predileção de Pavlov pela metodologia experimental objetiva ficou particularmente evidente nas notórias “quartas-feiras”, que, apesar do nome, foram realizadas nas quartas e sextas-feiras no período de 1921 a 1936, ano do seu falecimento. Essas reuniões destinavam-se às comunicações científicas de Pavlov e seus colaboradores, sendo marcadas pela crítica aos idealistas não soviéticos (dentre eles os gestaltistas). Como referência histórica, é lamentável que constem registros dessas reuniões apenas de 1929 a 1936.
O trabalho de Pavlov ocasionou mudanças na psicologia moderna ao estabelecer medidas mais exatas, com a utilização de uma unidade mínima de análise; uma terminologia mais precisa para se referir ao que denominava fenômenos psicológicos, como por exemplo estímulo, resposta e ambiente-, uma maior clareza na delimitação do objeto de estudo; e, por fim, uma metodologia indispensável para a expansão posterior das teorias behavioristas.
Neste aspecto, respondia indiretamente às críticas feitas por Imannuel Kant e Augusto Comte às psicologias introspeccionistas. A dedicação de Pavlov à pesquisa sempre foi de suma importância em sua vida. Sua obsti­nação em alcançar suas metas não foi perturbada por questões práticas, tais como salário, falta de apoio governamental ou condições de vida. Aos 86 anos de idade, Pavlov foi proclamado “Príncipe dos fisiologistas de todo o mundo” no XV Congresso Internacional de Fisiologia, mantendo, até o fim de sua vida, sua luta contra as explicações metafísicas do comportamento.

Vladimir Michailovitch Bekhterev e os reflexos motores
Assim como Pavlov, Bekhterev tentou complementar com dados empíricos e rigor experimental a proposta teórica de Séchenov. Sofreu intensa perseguição do governo czarista. Além da intolerância do Estado russo, teve em comum com Séchenov e Pavlov o doutoramento em São Petersburgo. Em 1881, Bekhterev defendeu a tese Resultados da investigação clínica da temperatura corporal em certos tipos de distúrbios psíquicos. Partiu para Leipzig, na Alemanha, onde trabalhou com Wilhelm Wundt. De lá, seguiu para Berlim e depois para Paris, onde estudou com Jean M.Charcot. Ao finalizar essa trajetória, concluiu sua formação em psiquiatria e fisiologia retornando à Rússia, onde assumiu a cá­tedra de distúrbios mentais na Academia Militar de São Petersburgo.
Apesar de ser um grande escritor e estudioso, com trabalhos publi­cados em neurologia, anatomia nervosa, psiquiatria, pedagogia e psicologia, a obra de Bekhterev foi ofuscada pelos estudos de Pavlov. Como pontos comuns, ambos defendiam uma proposta objetiva, atacando conceitos mentalistas utilizados para a descrição e explicação de processos psicológicos.
A sua formação em psiquiatria fez com que aplicasse o conceito de reflexo a problemas clínicos humanos, além de favorecer a sua dedicação - uma grande gama de campos de trabalho. Bekhterev publicou trabalhos em psiconeurologia, concentrando-se principalmente na anatomia e fisio­logia do sistema nervoso central e na reflexologia. Considerou inclusive a reflexologia como uma via pela qual a personalidade humana poderia ser abordada. Priorizava o estudo objetivo do homem, compreendido como um ser agente em seu ambiente social e no estabelecimento de suas rela­ções com o mundo externo. Trabalhou também no tratamento de doenças nervosas e mentais. Descobriu um grande número de sintomas e reflexos bastante significativos para o diagnóstico dessas doenças, além de ser pioneiro na descrição de várias patologias e categorias nosológicas, particularmente classificando as fobias. Por fim, é interessante ressaltar outros dois campos de atuação de Bekhterev: o primeiro, com crianças, no qual desenvolveu estudos sobre o desenvolvimento da linguagem e dos processos de atenção. O segundo, com alcoolistas, campo no qual publicou vários trabalhos e fundou uma instituição especial para o tratamento de distúrbios mentais relacionados ao álcool.
Os interesses de Bekhterev refletiam-se na sua proposta metodo­lógica. Enquanto Pavlov se ateve principalmente às secreções glandulares, Bekhterev interessou-se pelos reflexos motores, utilizando para estudá-los uma metodologia livre de intervenções cirúrgicas. Embora os métodos de Pavlov e Bekhterev contenham algumas diferenças técnicas, essencialmente suas práticas se equivaliam. Em ambas ocorria a substituição de um estímulo eliciador natural (incondicionado) por um novo estímulo (condicionado).
Pessoti (1976) resume a técnica de Bekhterev: usava-se uma descar­ga elétrica na planta do pé como excitante direto e, concomitantemente, aplicava-se um estímulo luminoso à retina. De início, nestas condições, era esperada a excitação simultânea da planta do pé e da retina. Após algumas repetições nas quais a cor da luz aplicada à retina era sempre a mesma, interrompia-se a excitação elétrica, sendo possível verificar que a excitação luminosa tornava-se, por si só, suficiente para produzir o reflexo plantar.
Nos termos de Bekhterev, ocorrerá um reflexo associado, ou seja, o estímulo não associado luz (estí­mulo incondicionado nos termos de Pavlov) passou a eliciar as res­postas reflexas plantares, passando a ser, desta forma, um estímulo associado (ou condicionado).
A principal obra publicada por Bekhterev foi o seu livro Psi­cologia objetiva de 1907. Em 1932, foi publicada uma terceira edição com o título General Principies of Human Reflexology (Princípios gerais da reflexologia humana). Nessa obra fica clara a concordância com Pavlov no que se refere à gênese dos processos psíquicos superiores, classificados por ambos como combinações de unidades reflexas elementares:
No momento atual da ciência, deve-se submeter todos os ramos da ciência natural a uma investigação estritamente objetiva, inclusive aquelas debruçadas sobre as mais elevadas e sofisticadas atividades do organismo que, recentemente, foram abordadas por análises subjetivistas, obtidas por meio de auto-observações, também estas poderão se valer de uma terminologia estritamente objetiva. (Bekhterev, 1973 [1913]: 17, tradução dos autores)
É clara, portanto, a ênfase compartilhada com Pavlov na busca de objetividade científica e o desejo de Bekhterev de salientar o significado psicológico das suas experiências. Ambos os pesquisadores estavam conven­cidos de que haviam descoberto o caminho que levaria a uma explicação materialista de todo o comportamento.

Conclusão
É importante destacar o fato de que boa parte dos estudos científicos de Séchenov, Pavlov e Bekhterev foi realizada sob os efeitos de manobras políticas e governamentais que visavam à censura e ao controle das suas produções. Essa situação só mudaria mais tarde, mediante a queda dos czares e a tomada do poder pelos revolucionários socialistas. Lênin apoiou aberta­mente essas pesquisas que apresentavam proximidade com o materialismo dialético de Karl Marx. A partir desse momento, tais estudos se tornaram modelo para a psicologia pós-revolucionária. O sujeito íntegro, concreto, com uma essência material proveniente da sua história, se consubstanciava nos sujeitos experimentais de Pavlov. O método crônico representava para os revolucionários a abertura de uma porta nas ciências naturais para os ideais marxistas. A partir da ascensão de Stalin e o consequente endurecimento do controle ideológico comunista, houve um fortalecimento ainda maior dos estudos reflexológicos pavlovianos.
O materialismo psicofisiológico da reflexologia chegou a ser considerado a “única abordagem psicológica aceitável pelo marxismo-leninismo” Bottomore e Guimarães, 1988:308). As ideias de Pavlov traziam a concepção de uma grande plasticidade potencial para o ser humano e sua atividade; ideia que aderia facilmente às pretensões ideológicas do novo regime. Embora outros nomes de importância para a ciência psicológica, como Vigotsky, por exemplo, tenham atingido proeminência no período leninista, a “stalinização” do Estado soviético teve dois efeitos imediatos sobre os estudos psicológicos e fisiológicos realizados na União Soviética até então: o primeiro deles foi a proibição da circulação de obras da psicologia histórico-cultural de Vigotsky; o segundo efeito recaiu sobre os estudos pavlovianos que acabaram sendo incorporados pela ideologia de Stalin.
As correspondências e as inexistentes divergências para com o poder político vigente levaram a reflexologia a um lugar de destaque dentre as pesquisas científicas soviéticas. A partir dela poder-se-ia abordar um sujeito único, determinado por uma história e compreendido sob o crivo de uma ciência objetiva. O extenso trabalho desenvolvido pelos autores referidos neste texto foi de importância para o delineamento de algumas das bases para uma visão da subjetividade humana calcada em uma constituição essencialmente materialista. Um materialismo que pouco mais tarde seria explicitado na psicologia russa em suas dimensões sociais e históricas, além de fornecer algumas das bases para o estabelecimento e desenvolvimento da psicologia behaviorista estadunidense.


(Eustáquio José de Souza Júnior, Manuela Gomes Lopes , Sérgio Dias Cirino)

Fonte:
História da Psicologia Rumos e Percursos

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